Brasil descumpre metas da ONU para a infância

Lendo a reportagem abaixo fico pensando... e se os integrantes dos quilombolas são felizes em seu modo de vida. Se para eles ler, escrever ou fazer contas de forma limitada ou não praticar nenhum destes verbos, não seja algo estritamente necessário em seu cotidiano; se isso não faz a menor falta e há motivos históricos, culturais e genéticos que unem estes povos, por que este esteriótipo forçado de que toda criança tem que ter isso aquilo, isso e aquilo outro... espera aí....



A função do Estado e da sociedade é proporcionar o meio de oportunidades cabíveis. Permitir a inclusão por opção e não obrigação. Penso que há momentos em que alguns salafrários mal intencionados obrigam povos a serem o que não querem para algum proveito tirar.
Viva a liberdade de escolha, por mais que esta não seja a melhor.


Paloma Oliveto
Do Correio Braziliense
09/12/200709h28-
Direito, para Leandro Pires Martins, é o oposto de esquerdo. Ou o contrário de errado. O menino de 14 anos também nunca ouviu falar em Rio de Janeiro nem em São Paulo, jamais entrou em um cinema e não sabe como é uma biblioteca. Morador de uma área de quilombolas (descendentes de escravos negros refugiados) localizada no nordeste goiano, Leandro vive em condições precárias, sem saneamento básico, energia elétrica e água tratada — e sem saber que esses são direitos inalienáveis dele. Na quinta série do ensino fundamental, lê e escreve pouco e confessa não saber as operações matemáticas simples. Há 18 anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um desafio aos governantes: aderir ao tratado internacional “Convenção sobre os Direitos da Criança”. O documento, que atingiu a maioridade no mês passado, foi assinado pelo Brasil e inspirou o Estatuto da Criança e do Adolescente. Para 27,4 milhões de brasileirinhos de até 14 anos, porém, há pouco o que comemorar. Assim como Leandro, eles, que representam 56% dessa faixa etária, estão privados de seus direitos mais básicos. São meninos e meninas vivendo em famílias com menos de meio salário mínimo por pessoa, para quem o documento da ONU não passa de um papel sem valor. Embora especialistas e representantes do governo apontem avanços nos investimentos e indicadores sociais da infância nas últimas duas décadas, eles também reconhecem que o país tem uma dívida histórica — longe de ser paga — com suas crianças. “O tema prioritário do Brasil tem de ser o combate às disparidades. A convenção explicita que a criança não sofrerá qualquer distinção”, afirma Mario Volpi, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Um estudo do órgão da ONU realizado com base no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), porém, mostra que, no Brasil, gozar dos direitos ainda depende de cor, posição social e localização geográfica. Indicadores desiguais Uma criança negra tem duas vezes mais chances de ser pobre e não freqüentar a escola, e três vezes mais chances de ser analfabeta, do que uma branca. Morar na área rural aumenta em oito vezes a possibilidade de crianças viverem em domicílios sem acesso à água. Crianças piauienses têm 55 vezes mais chances de viverem em casas sem esgoto do que as brasilienses. “O respeito à diversidade é a lição de casa ainda não cumprida”, reconhece Carmen Oliveira, subsecretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. “O país avançou muito ao criar um órgão federal de direitos da criança e nas tentativas de organizar um sistema de dados da infância. Por outro lado, o brasileiro é machista, racista, homofóbico. E as ações afirmativas ainda são incipientes”, analisa o procurador de Justiça Wanderlino Nogueira, consultor da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced). Negra, pobre e moradora da área rural, Alexandra Barbosa Gonçalves, 6 anos, sintetiza bem a situação. Sua casa, no povoado Canabrava (GO), a 350km de Brasília, não tem energia elétrica. Banho, só de rio. O banheiro é o matagal atrás do barraco de pau-a-pique. A pré-escola mais próxima fica a 100km, em Flores de Goiás. No início do ano, a menina estudou na classe de alfabetização durante quatro meses, passados na casa de uma tia. Mas voltou a morar com a família, e não tem como ir até o colégio. A mãe, Neide, 22 anos, analfabeta funcional, está desempregada. O pai das três filhas — além de Alexandra, Débora, 3, e Eduarda, 8 meses — não tem como pagar pensão. “Falta comida pras meninas. Aí eu saio pelas fazendas, pedindo um pouco de leite”, conta. Na casa, os móveis se resumem a duas camas sem colchão, dois bancos de madeira, um de metal e uma mesa de bar. Alexandra queria voltar ao colégio. Tímida, diz que gostava da hora da merenda e de aprender as letras. Agora, mata o tempo brincando com a irmã do meio, quatro bonecas e uma lata de leite enferrujada. De hoje a quinta-feira, o Correio publica a série “Infância machucada”, sobre os principais pontos estabelecidos pela Convenção e pela Declaração Internacional dos Direitos das Crianças, tratado internacional de caráter político que também fez aniversário: completou 48 anos este ano, sem que seus princípios fossem plenamente cumpridos.

 
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